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Toque de ARREBOL

Por Flávia Suassuna

 

Além dos temas da literatura europeia, a literatura romântica brasileira inaugurou temáticas exclusivas e com elas abriu as picadas nas quais a nossa literatura até hoje caminha. Nesse contexto, nascem aqui no país o Regionalismo, o Indianismo e o Romance Urbano, tendências necessárias à elaboração de questões brasileiras que não existiam na Europa.

O Regionalismo apresentou as regiões umas às outras e começou a construir neste país enorme uma rara e ainda em construção noção de diversidade na unidade; o Indianismo fantasiou origens da nacionalidade e tatuou o pertencimento do índio na nossa etnia, apesar de todas as dificuldades que o tema ainda tem neste país tão novo e que sofreu tão acachapante Processo Colonial.

O nascimento do Romance Urbano brasileiro ainda antes de seu surgimento na Europa (lá ele nasce mais tarde, no Realismo) é um fenômeno digno de relevo no país: é que a família real portuguesa tinha chegado à cidade do Rio de Janeiro, em 1808, e a tinha revirado de cabeça para baixo – foram impostos aos moradores locais novas leis e novos costumes que, a bem da verdade, excluíam os moradores e impunham a eles dificuldades adicionais às que eles já tinham. Em virtude da necessidade de elaborar esse novo espaço surgiram escritores que retratavam a cidade de forma idealizada, como José de Alencar e Joaquim Manuel de Macedo, ou mesmo mais picaresca, como Manuel Antônio de Almeida. De forma geral, essa cidade foi explicada, entendida, criticada, ressignificada, sonhada, pensada, tarefa que a palavra executa de forma tão pertinente.

Um pouco mais tarde, no Realismo, que aqui começa em 1881, Machado de Assis concentra-se nessa cidade e escreve sobre ela e seus habitantes obras mais objetivas e críticas, em outras palavras: a cidade nos deu o nosso maior escritor.

Na ordem, vieram os Regionalistas modernistas de 30 e 45 e nossos maiores prosadores se distanciaram da cidade como palco de discussões de questões nacionais: os nordestinos de 30 denunciaram problemas específicos da região – seca, fome, retirantes de seca, concentração fundiária, pobreza, messianismo, coronelismo, tocaias, cangaço – e fizeram história contando para o resto do país os efeitos do verdadeiro abandono do Nordeste pelas Instituições brasileiras, na época concentradas na região Sudeste. Em seguida, os Regionalistas de 45 João Guimarães Rosa (mineiro) e Ariano Suassuna (paraibano) tiraram o foco das questões sociais e políticas e, embora ainda as mostrem, concentraram-se nas questões filosóficas inerentes à condição humana.

O que quero dizer é que ainda não temos um romance urbano moderno que se sobressaia e que elabore as cidades implacáveis e violentas que cresceram e nos massacraram e massacram nos séculos XX e XXI, principalmente no Nordeste.

Qual não foi minha surpresa quando li este “Toque de Arrebol”, de Juliano Ferro, um rapaz jovem e que localiza seu texto e os conflitos do enredo na cidade do Recife. Seus personagens vivem confrontos psicológicos geracionais, de valores e os relativos à imigração, temas candentes deste século XXI... Não só: apesar de o livro ter chegado a minhas mãos para correção, em 2021, quase não fiz alterações, porque Ferro sabe a língua portuguesa, discutiu comigo de forma madura suas opções linguísticas e recursos de expressão, o que mostra seu esforço na direção da preparação para o ofício de escritor.

Que Ferro continue nesse caminho de autoaperfeiçoamento e compromisso com a realidade presente, pois precisamos pensar essas cidades hostis de várias perspectivas – tanto do ponto de vista científico, como por meio de nossas ficções que sempre nos sopram sobrevivências e aprendizados. E que me dê sempre o prazer de ler as suas produções que tanto me enriquecem.

 

Recife, 1º/3/2022.

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Flávia Suassuna é escritora e membro da Academia Pernambucana de Letras - APL.

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